Helena Beatriz Pacitti
Definir é uma forma de entender a vida. Por isso aprecio as definições das crianças, quando emitem, com tanta segurança e naturalidade, suas impressões sobre o mundo que as cerca.
Mario Quintana, que era uma criança grande, dizia por exemplo que “a mentira é a verdade que esqueceu de acontecer”, ou que “amar é mudar a alma de casa”.
Criança não diz “gracinha”. Ela só fala do jeito que entende as coisas. Fala e surpreende a mente do adulto, acostumado aos mesmos raciocícios, às mesmas respostas prontas e ao falso conforto.
Uma vez levei alguns instrumentos de percussão para os coleguinhas de escola do Sam. Deviam estar na faixa de 5 ou 6 anos de idade. Adoraram o pau-de-chuva, os bongôs, as maritacas, os pratos e os passarinhos feitos de inúmeros sininhos de metal, presos em barbantes.
Quando agitei os tubos de 3 carrilhões de orquestra, cada um com seu timbre e tom peculiares, a pequena Mariana não se conteve e gritou: ‘Ah, esse eu conheço! É o som dos sonhos!” E som dos sonhos ficou. Uma das definições mais perfeitas que ouvi sobre carrilhões.
Percepção maravilhosa é aquela que as crianças têm do que seja um presente. Presente bom é o que tem uso, encantamento e concretização imediatos. No caso, brinquedo e chocolate são pedidas certas. Léri – 3 anos- ganhou no último Natal uma esvoaçante fantasia de Bela Adormecida, acompanhada da boneca vestida identicamente: saia de tule cor-de rosa e corpete cheio de brilhos e lantejoulas. Passou a tarde inteira, claro, pululando com a saia rodada, lamentando ter de tirá-la para dormir. Na hora de escovar os dentes, deu a derradeira admirada na fantasia e suspirou: “Ah, eu ganhei tantas coisas legais: boneca, fantasia…” – *suspiro* – ”…coitadinha da mamãe, só ganhou… (ar triste) dinheiro”.
Alguém disse que a beleza da simplicidade reside em sua irredutibilidade. Não é possível reduzir algo que já chegou a sua essência. O mundo, visto pela janela da alma das crianças, fica assim, mais simples e mais bonito.
Meu desejo é que a definição de “Ano Novo” seja, para você e para mim, a mais simples e direta possível. Os dias não mudarão como mágica. Os dias não chegarão mais alegres, azuis ou enfeitados de tule cor-de-rosa. Os dias são apenas presentes que devem ser desfrutados de forma mais sábia e intensa. O Ano Velho não muda para Ano Novo. O que muda é nossa forma de ver os dias, as pessoas e a compreensão sobre elas.
Quem muda somos nós.
fonte: Timilique!