Xico Sá, na Folha.com
“Aquilo que não me mata, só me fortalece”. Assina que é teu, amado mestre Friedrich Nietzsche, aquele do vassourístico bigode.
“O que não mata, engorda”. Essa é frase de qualquer vagabundo anônimo e popular mesmo.
Aí é que você vê que a filosofia de pára-choque de caminhão sempre foi nietzscheana ou tradutora do alemão para a estrada.
Reflito aqui à beira do caminho. Em uma lan-house de Solidão, Pernambuco. Havia iniciado essa reflexão com o amigo Paulo Mota, da cidade cearense de Sucesso. Vamos em frente.
Havia tomado um susto, há uns oito anos, sobre a escassez dessa filosofia nos caminhões. Foi em uma viagem Juazeiro do Norte/SP, na boleia de uma possante carreta, em reportagem sobre caminhoneiros para a revista “V”. Taí o fotógrafo Tiago Santana para me ajudar mentir, se for preciso.
Agora é para valer: a filosofia de pára-choque morreu na buraqueira da estrada. Nietzsche deve estar molhando seu bigodón em lágrimas de Viena.
Acabou chorare…
Jesus te matou, velho Nietzsche, na BR-101. Rio/Bahia, em uma vicinal qualquer no canavial de Sertãozinho.
Jesus, aqui resguardado todo respeito e devoção cristã, acabou com as clássicas frases, sempre sábias e decifradoras da vida. Jesus invadiu todos os pára-choques, lameiras e painéis de caminhões.
Quando não tem Jesus, vai o escudo de time, mas o amor clubístico também não é mais o mesmo. Um Flamengo aqui, um Corinthians acolá, um Santos, um São Paulo, Atlético mineiro, Bahia, Sport, Santa Cruz, Vitória, Ceará…
“Pra corno e torcedor de time, todo castigo é pouco”, buzina o nosso condutor mais uma vez, agora seu Caetano, de Barbalha (CE), um guia e tanto.
Os mais românticos ainda pintam lá um coração com o nome dela, a amada, como na canção do Roberto. O mais lindo que avistamos foi um “Eu te amo, Izildinha, desalmada”.
No que Caetano, sábio de rodagem, não se contém: “Ser caminhoneiro tudo bem, ninguém escolhe o destino; mas ser caminhoneiro e corno também já é demais da conta!”
Manda a pérola e aperta a trilha sonora, DJ de boleia, na marcha lenta: Benito de Paula. “Ah, como eu amei…”
A louvação a Jesus substituiu a sabedoria popular sobre rodas. As novidades, no entanto, não impedem que alguma graça resista. O atualíssimo “Jesus Salva”, por exemplo, já ganhou uma continuidade filosófica, em pequenos adesivos coloridos: “Jesus salva!… passa para Moisés, que chuta e é goool!!!”
Uma pausa para o churras de carneiro. Cerveja nevada, claro. Distrito de Paraguaçu, Rafael Jambeiro, Rio/Bahia. O cabarezinho Flor da Noite tá uma beleza. Só deusas. Tento resistir, mas lembro do sábio pedido de Santo Agostinho, o álibi perfeito para o perigo da hora: “Senhor, livrai-me das tentações, mas não hoje”.
Ô vidinha mais ou menos para eu gostar tanto dela Quase como se fosse, elegância à parte, aquele italiano da “Dolce Vita”!