A rebeldia ganha uma bandeira para lutar… do nosso jeito
Rafael Bittencourt, no TrendCoffe
Por anos Os Sonhadores foi (e ainda é) um dos meus filmes preferidos e, por isso, um dos que eu mais vi. Lembro que a primeira vez que assisti, foi meio por acaso, quando estava passando num canal a cabo de madrugada e eu zapeava procurando por alguma coisa minimamente interessante quando me lembrei que queria ver aquele filme.
Quando acabou fui preenchido por aquele sentimento de “Nossa! Agora eu entendi tudo!”. Era mais uma epifania cinematográfica que ia me acompanhar diariamente e que me levaria a rever a aplaudida obra de Bertolucci diversas vezes, em busca do mesmo sentimento de compreensão universal, identificação e de pertencimento a algo maior que a cidadezinha provinciana onde morava e, claro, detestava.
A verdade é que eu não entendi exatamente o motivo real de tanto encantamento, a não ser pela beleza óbvia e a magia de um filme que se passava na Primavera de 68. Algum tempo depois eu estava falando sobre o filme e todo o movimento cultural da época sob uma perspectiva psicanalítica, quando me dei conta de que, na verdade, o filme ilustrava muita coisa que eu pensava sobre o mundo.
Algumas vezes discuti, quase que com ar de militante, com pessoas mais velhas que eu sobre o olhar nostálgico delas sobre a juventude. Aquele papo de “mas na nossa época era melhor”, ou “vocês são uns acomodados por não lutarem pelos direitos de vocês” não me descia – hoje eu só desdenho. Quando a conversa chegava no ponto de “a maconha fumada naquela época não é a maconha de hoje em dia, pois representava indignação e protesto”, eu geralmente me levantava da mesa.
Só existe protesto se há indignação contra alguma coisa nomeada, identificada, caso contrário, seria uma rebeldia sem causa e, logo, sem futuro. Os jovens de 2013 não tinham, até então, sequer um motivo real de indignação, visto que a corrupção sempre existiu e, infelizmente, sempre existirá. Mas a corrupção nunca ofendeu diretamente a ninguém. Nunca disse que seu ídolo foi assassinado em nome de Deus, que os negros são amaldiçoados e igualou homossexuais aos piores assassinos. A indignação de hoje passou a ter nome, cargo político, endereço e diversos videos no YouTube, infinitamente compartilhados pelas minorias. O compartilhamento é uma grande arma de uma geração criada na internet. Geração esta, composta majoritariamente por diferentes tipos de minorias. E o melhor: minorias influentes.
Assim como em Os Sonhadores, vivemos a vida toda numa bolha de pensamento, isolados de lutas, mas recebendo informações de outras guerras, diferentes tipos de pensamento, discutindo e nos fortalecendo contra um inimigo que desse a cara a tapa. O filme de Bertolucci mostra como esta bolha de pensamento se preparou e foi às ruas, junta de outras pequenas bolhas, explodir juntas em meio a molotovs, gritos e tiros.
Não sou a favor de violência de nenhum tipo, assim como a maioria militante atual, por isso, creio que a ida às ruas seja feita de uma forma menos literal, mais criativa e sutil, e o tapa na cara desse inimigo seja um tapa de luva.
Combina mais com nossa geração de minorias.
Ser minoria não diminui ninguém. O fato não é um movimento em grande escala, mas o sonho em grande escala. Somos pequenos na maioria das vezes. A grande mudança acontece de dentro pra fora. Neste dia deixaremos de ser minoria de qualquer coisa.